A Lição de Carl Schmitt

A Lição de Carl Schmitt

por Guillaume Faye e Robert Steuckers (1981)



Nós nos encontramos com Carl Schmitt na aldeia de Plettenburg, seu local de nascimento e retiro. Por quatro horas notáveis nós conversamos com o homem que permanece inquestionavelmente como o maior pensador político e jurídico de nosso tempo. "Nós fomos colocados para pastar", disse Schmitt. "Nós somos como animais domésticos que desfrutam dos benefícios do campo cercado ao qual somos designados. O espaço é conquistado. As fronteiras são fixas. Não há nada mais para descobrir. É o reino do status quo..."

Schmitt sempre alertou contra essa ordem congelada, que se estende sobre a Terra e arrasa soberanias políticas. Já em 1928, em O Conceito do Político, ele detecta nas ideologias universalistas, aquelas "dos Direitos, ou Humanidade, ou Ordem, ou Paz", o projeto de transformar o planeta em um tipo de agregado econômico despolitizado que ele compara a um "ônibus com seus passageiros" ou um "prédio com seus ocupantes". E nessa premonição de um mundo da morte de nações e culturas, o culpado não é o marxismo mas as democracias liberais e comerciais. Assim Schmitt oferece uma das críticas mais agudas e perspicazes do liberalismo, bem mais profunda e original do que as dos "anti-democratas" da velha direita reacionária.

Ele também continua a maneira "realista" de análise da política e do estado, na tradição de Bodin, Hobbes e Maquiavel. Igualmente removido do liberalismo e das teorias totalitárias modernas (bolchevismo e fascismo), a profundidade e a modernidade de suas opiniões o tornam o teórico jurídico constitucional e político contemporâneo mais importante. É por isso que podemos segui-lo, ao mesmo tempo é claro tentando ir além de suas análises, como seu discípulo francês Julien Freund, no ápice de suas capacidades, já fez.

A jornalidade intelectual do teórico jurídico do Reno começou com reflexões sobre Direito e política prática às quais ele devotou duas obras, em 1912 e 1914, ao fim de seus estudos acadêmicos em Estrasburgo. Após a guerra, tendo se tornado professor de Direito nas universidades de Berlim e Bonn, seus pensamentos focaram em ciência política. Schmitt, contra as filosofias liberais da Direita, se recusou a separá-la da política.

Seu primeiro trabalho de teoria política, Romantismo Político (1919), é devotado a uma crítica do romantismo político ao qual ele opõe o realismo. Para Schmitt, os ideais milenaristas dos comunistas revolucionários e os delírios völkisch dos reacionários pareciam igualmente inadequados ao governo do povo. Sua segunda grande obra teórica, A Ditadura (1921), constitui, como Julien Freund escreve, "um dos estudos mais completos e relevantes desse conceito, cuja história é analisada desde a época romana até Maquiavel e Marx".

Schmitt distingue "ditadura" de "tirania" opressiva. A ditadura aparece como um método de governo dirigido a confrontar emergências. Na tradição romana, a função do ditador era confrontar condições excepcionais. Mas Maquiavel introduz uma prática diferente; ele ajuda a visualizar "o Estado moderno", fundado no racionalismo, na tecnologia e no papel poderoso de um executivo complexo: esse executivo não mais depende do soberano singular.

Schmitt demonstra que com o jurista francês Jean Bodin, a ditadura assume a forma de uma "prática dos comissários" que emergiu nos séculos XVI e XVII. Os "comissários" são delegados onipotentes do poder central. O absolutismo monárquico, estabelecido sobre seus subordinados, como o modelo rousseauniano do contrato social que delega poder absoluto aos detentores da "vontade geral" implantada pela revolução francesa, constitui a fundação de formas contemporâneas de ditadura.

Desde esse ponto de vista, a ditadura moderna não está conectada com qualquer ideologia política particular. Contrariamente às análises dos constitucionalistas atuais, especialmente Maurice Duverger, a "democracia" não é mais livre de ditadura do que qualquer outra forma de poder estatal. Os democratas estão simplesmente se iludindo pensando que eles são imunes do recurso à ditadura e que eles reconciliam poder executivo real com pragmatismo e as transações dos sistemas parlamentares.

Em um estudo fundamental sobre parlamentarismo, A Crise da Democracia Parlamentar (1923), Schmitt pondera a identificação entre democracia e parlamentarismo. Para ele, a democracia parece ser um princípio ideológico e abstrato que mascara modalidades específicas de poder, uma posição próxima àquelas de Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca. O exercício de poder na "democracia" está sujeito a uma concepção racionalista do estado que justificava, por exemplo, a ideia da separação de poderes, o diálogo supostamente harmônico entre partidos, e pluralismo ideológico. É também a racionalidade da história que funda a ditadura do proletariado. Contra as correntes democráticas e parlamentares, Schmitt coloca as correntes "irracionalistas", particularmente Georges Sorel e sua teoria de violência, bem como todas as críticas não-marxistas da sociedade burguesa, por exemplo Max Weber.

Essa ideologia burguesa liberal engana a todos ao ver toda atividade política segundo as categorias da ética e da economia. Essa ilusão, ademais, é compartilhada por ideologias liberais ou socialistas marxistas: a função do poder público não é nada mais além de econômica e social. Valores espirituais, históricos e militares não são mais legítimos. Somente a economia é moral, o que torna possível validar o individualismo comercial e ao mesmo tempo invocar ideais humanos: a Bíblia e o negócio. Essa moralização da política não só destrói toda moralidade verdadeira, mas transforma a unidade política em uma "sociedade" neutralizada onde a função soberana não é mais capaz de defender o povo pelo qual ela é responsável.

Por contraste, a abordagem de Schmitt consiste em analisar o fenômeno político independentemente de todas as pressuposições morais. Como Maquiavel e Hobbes, com o qual ele é normalmente comparado, Schmitt renuncia a apelos aos belos sentimentos e à soteriologia dos fins. Sua filosofia é tão oposta à ideologia do Iluminismo (Locke, Hume, Montesquieu, Rousseau, etc.) e aos vários socialismos marxistas quanto ela é ao humanismo político cristão. Para ele, essas ideologias são utópicas em sua cautela em relação ao poder e tendem a esvaziar o político por sua identificação com o mal, mesmo que ele seja permitido temporariamente - como no caso do marxismo.

Mas a essência da crítica de Schmitt se remete ao liberalismo e ao humanismo, que ele acusa de falsidade e hipocrisia. Essas teorias veem a atividade do poder público como uma administração puramente de rotina dedicada a realizar a felicidade individual e a harmonia social. Elas são fundadas no desaparecimento final da política enquanto tal e no fim da história. Elas desejam tornar a vida coletiva puramente prosaica, mas conseguem somente criar selvas sociais dominadas pela exploração econômica e incapazes de dominar circunstâncias imprevistas.

Governos sujeitos a esse tipo de liberalismo estão são sempre frustrados em seus sonhos de transformar a política em administração pacífica: outros Estados, motivados por intenções hostis, ou fontes internas de subversão política, sempre emergem em momentos imprevistos. Quando um Estado, pelo idealismo ou por um moralismo equívoco, não mais situa sua vontade política soberana acima de todo o resto, preferindo ao invés a racionalidade econômica ou a defesa de ideais abstratos, ele também desiste de sua independência e de sua sobrevivência.

Schmitt não acredita no desaparecimento do político. Qualquer tipo de atividade pode assumir uma dimensão política. O político é um conceito fundamental de antropologia coletiva. Enquanto tal, a atividade política pode ser descrita como substancial, essencial, duradoura através do tempo. O Estado, por outro lado, desfruta somente de autoridade condicional, ou seja, uma forma contingente de soberania. Assim o Estado pode desaparecer ou ser despolitizado ao ser privado do político, mas o político - enquanto substancial - não desaparece.

O Estado não pode sobreviver a não ser que mantenha um monopólio político, ou seja, o poder exclusivo de definir os valores e ideais pelos quais os cidadãos concordarão em entregar suas vidas ou matar legalmente seus vizinhos - o poder de declarar guerra. De outro modo, partisans assumirão a atividade política e tentarão constituir uma nova legitimidade. Esse risco ameaça particularmente os Estados burocráticos das democracias sociais e liberais modernas nas quais a guerra civil só é impedida pela influência enervante da sociedade de consumo.

Essas ideias são expressadas em O Conceito do Político, a obra mais fundamental de Schmitt, publicada pela primeira vez em 1928, revisada em 1932, e esclarecida em 1963 por seu corolário Teoria do Partisan. A atividade política é definida ali como o produto de uma polarização ao redor de uma relação de hostilidade. Um dos critérios fundamentais de um ato político é sua habilidade de mobilizar uma população pela designação de seu inimigo, o que pode se aplicar a um partido bem como a um Estado. Omitir tal designação, particularmente por idealismo, é renunciar ao político. Assim a tarefa de um Estado sério é impedir que partisans tomem o poder de designar inimigos dentro da própria comunidade, ou mesmo como o próprio Estado.

Sob circunstância alguma pode a política ser baseada na administração de coisas ou renunciar sua dimensão polêmica. Toda soberania, como toda autoridade, é forçada a designar um inimigo de modo a ser bem sucedida em seus projetos; aqui as ideias de Schmitt encontram a pesquisas dos etologistas sobre comportamento humano inato, particularmente Konrad Lorenz.

Por causa de sua concepção "clássica" e maquiaveliana do político, Schmitt sofreu perseguição e ameaças sob os nazistas, para os quais o político era, ao contrário, a designação do "camarada" (Volksgenosse).

A definição schmittiana do político nos permite compreender que o debate político contemporâneo é despolitizado e conectado com shows eleitorais. O que é realmente político é o valor pelo qual se está disposto a sacrificar a própria vida; pode ser muito bem a própria língua ou cultura. Schmitt escreve nessa conexão que "um sistema de organização social dirigido somente para o progresso da civilização" não possui "um programa, ideal, padrão ou finalidade que pode conferir o direito de dispor da vida física de outros". A sociedade liberal, fundada no consumo de massa, não pode demandar que se mate ou morra por ela. Ela se apoia em uma forma apolítica de dominação: "É precisamente quando ela permanece apolítica", escreve Schmitt, "que a dominação de homens apoiada em uma base econômica, evitando qualquer aparência ou responsabilidade políticas, se prova uma impostura terrível".

O economismo liberal e o "pluralismo" mascaram a negligência do Estado, a dominação das castas comerciais, e a destruição de nações ancoradas em uma cultura e uma história. Junto a Sorel, Schmitt apela por uma forma de poder que não renuncia a seu exercício pleno, que demonstra sua autoridade política pelos meios normais que pertencem a ele: poder, restrição, e, em casos excepcionais, violência. Ao ignorar esses princípios a República de Weimar permitiu a ascensão de Hitler; o totalitarismo tecno-econômico do capitalismo moderno também se apoia na rejeição ideológica da ideia de poder estatal; esse totalitarismo é impossível de evitar porque ele é proclamado humano e é também baseado na ideia dupla de pluralismo social e individualismo, que põe as nações à mercê da dominação tecnocrática.

A crítica schmittiana do pluralismo interno concebido por Montesquieu, Locke, Laski, Cole e toda a escola liberal anglo-saxônica, objetiva defender a unidade política das nações, que é a única garantia de proteção cívica e das liberdades. O pluralismo interno leva à guerra civil latente ou aberta, à competição feroz de grupos de interesses econômicos e facções, e finalmente à reintrodução dentro da sociedade da distinção amigo-inimigo que os Estados europeus desde Bodin e Hobbes haviam deslocado para o exterior.

Tal sistema naturalmente apela à ideia de "Humanidade" para se livrar de unidades políticas. "A humanidade não é um conceito político", escreve Schmitt, que acrescenta:

"A ideia de Humanidade em doutrinas baseadas nas doutrinas liberais e individualistas de direito natural é uma construção social ideal de natureza universal, abarcando todos os homens sobre a terra...que não será realizada até que qualquer possibilidade genuína de combate seja eliminada, tornando qualquer agrupamento em termos de amigos e inimigos impossível. Essa sociedade universal não mais conhecerá nações... O conceito de humanidade é um instrumento ideológico particularmente útil para a expansão imperialista, e em sua forma ética e humana, ela é especificamente um veículo de imperialismo econômico... Um nome tão sublime implica certas consequências para aquele que o porta. De fato, falar em nome da Humanidade, invocá-la, monopolizá-la, demonstra uma pretensão chocante: negar a humanidade do inimigo, declará-lo fora do direito e fora da Humanidade, e assim finalmente empurrar a guerra aos extremos da desumanidade".

Definir a política em termos da categoria do inimigo, recusar o igualitarismo humanitário, não leva necessariamente ao desprezo pelo homem ou ao racismo. É bem o contrário. Reconhecer a dimensão polêmica das relações humanas e o homem como "um ser dinâmico e perigoso", garante o respeito por qualquer adversário concebido como o Outro cuja causa não é menos legítima que a nossa.

Essa ideia se repete usualmente no pensamento de Schmitt: as ideologias modernas que reivindicam verdade universal e consequentemente consideram o inimigo como absoluto, como um "desvalor absoluto", levam ao genocídio. Elas são, ademais, inspiradas pelo monoteísmo (e Schmitt é um pacifista cristão e um converso). Schmitt afirma com boas razões que a concepção europeia convencional que validava a existência do inimigo e admitia a legitimidade da guerra - não pela defesa de uma causa "justa", mas como uma eterna necessidade das relações humanas - causava menos guerras e induzia o respeito pelo inimigo considerado como adversário (como hostis e não inimicus).

Os seguidores de Schmitt, estendendo e refinando seu pensamento, cunharam junto a Rüdiger Altmann o conceito do Ernstfall (caso emergencial), que constitui outro critério fundamental do político. A soberania política e a credibilidade de uma nova autoridade política é baseada na capacidade de encarar e solucionar casos de emergência. As ideologias políticas dominantes, profundamente fincadas no hedonismo e no desejo por segurança, querem ignorar a emergência, o golpe do destino, o imprevisto. A política digna do nome - e essa ideia pulveriza as categorias ideológicas abstratas de "direita" e "esquerda" - é aquela que, secretamente, responde ao desafio do caso de emergência, salva a comunidade de atribulações e tempestades imprevistas, e assim autoriza a mobilização total do povo e uma intensificação de seus valores.

Concepções liberais de política veem o Ernstfall meramente como a exceção e a "normalidade legal" como a regra. Essa visão das coisas, inspirada pela filosofia teleológica da história de Hegel, corresponde à dominação da burguesia, que prefere segurança a dinamismo histórico e ao destino do povo. Ao contrário, segundo Schmitt, a função do soberano é sua capacidade de decidir o estado de exceção, que de modo algum constitui uma anomalia, mas sim uma permanente possibilidade. Esse aspecto do pensamento de Schmitt reflete suas inspirações primariamente francesas e espanholas (Bonald, Donoso Cortès, Bodin, Maistre, etc.) e torna possível localizá-lo, junto com Maquiavel, na grande tradição latina da ciência política.

Em Legalidade e Legitimidade, Schmitt, como discípulo de Hobbes, sugere que a legitimidade precede o conceito abstrato de legalidade. Um poder é legítimo se ele pode proteger a comunidade sob seus cuidados pela força. Schmitt acusa a concepção idealista e "jurídica" de legalidade por autorizar Hitler a chegar ao poder. O legalismo tende à renúncia do poder, que Schmitt chama de "política da não-política" (Politik des Unpolitischen), a política que não atende a suas responsabilidades, que não formula uma escolha em relação ao destino coletivo. "Aquele que não possui o poder de proteger ninguém", escreve Schmitt em O Conceito do Político, "também não possui o direito de demandar obediência. E inversamente, aquele que busca e aceita o poder não possui o direito de recusar obediência".

Essa dialética de poder e obediência é negada pelo dualismo social, que arbitrariamente opõe sociedade e a função soberana e imagina, contrariamente a toda experiência, que exploração e dominação são os efeitos políticos do "poder" enquanto eles emergem muito mais normalmente da dependência econômica.

Assim Schmitt elabora uma crítica do Estado dualista do século XIX com base nas concepções de John Locke e Montesquieu objetivando a uma separação entre a esfera do Estado e a esfera privada. De fato, as tecnocracias modernas, historicamente resultando das instituições de representação parlamentar, experimentam interpenetrações e oposições entre o privado e o público, como demonstrado por Jürgen Habermas. Tal situação desestabiliza o indivíduo e enfraquece o Estado.

Segundo Schmitt, é a fraqueza das democracias que permitiu o estabelecimento de regimes unipartidários, como ele explica em Estado, Movimento, Povo. Esse tipo de regime constitui a revolução institucional do século XX; de fato, ele é hoje o regime mais difundido no mundo. Somente a Europa Ocidental e a América do Norte preservaram a estrutura pluralista da democracia tradicional, mas meramente como ficção, já que o poder verdadeiro é econômico e técnico.

O Estado unipartidário tenta reconstituir a unidade política da nação, segundo uma estrutura tríplice: o Estado inclui funcionários públicos e as forças armadas; o povo não é uma população estatística mas uma entidade que é politizada e fortemente organizada em instituições intermediárias; o partido coloca esse mecanismo em movimento e constitui um portal de comunicação entre o Estado e o Povo.

Schmitt, que retorna de novo e de novo ao nazismo, ao stalinismo, às teocracias e aos totalitarismos humanitários, obviamente não endossa o Estado unipartidário. Ele não defende qualquer "regime" específico. Na velha tradição realista latina herdada de Roma, Schmitt quer um executivo que seja tanto poderoso como legítimo, que não "ideologize" o inimigo e possa, em casos reais fazer uso da força, que possa fazer do Estado a "auto-organização da sociedade".

A guerra assim se torna um tema da teoria política. Schmitt está interessado na geopolítico como extensão natural da política. Para ele, a verdadeira política, a grande política, é a política externa, que culmina na diplomacia. Em O Nomos da Terra (1951), ele demonstra que o Estado segue a concepção europeia de política desde o século XVI. Mas a Europa se tornou decadente: o Estado burocrático foi despolitizado e não mais permite a preservação da história do povo europeu; o ius publicum europaeum que decidia as relações interestatais está declinando em favor de ideologias globalistas e pacifistas que são incapazes de fundar um direito internacional eficaz. A ideologia dos direitos humanos e o suposto humanitarismo das instituições internacionais estão paradoxalmente preparando um mundo no qual a força vem antes do direito. Inversamente, uma concepção realista das relações entre Estados, que permite e normaliza o conflito, que reconhece a legitimidade da vontade de poder, tende a civilizar a relação entre nações.

Schmitt é, junto com Mao Tsé-tung, o maior teórico moderno da guerra revolucionário e da figura enigmática do guerrilheiro que, nessa era de despolitização dos Estados, assume a responsabilidade do político, "ilegalmente" designa seus inimigos, e de fato nubla a distinção entre guerra e paz.

Tal "falso pacifismo" é parte de um mundo em que autoridades políticas e soberanias independentes são apagadas por uma civilização mundial mais alienadora que qualquer tirania. Schmitt, que influenciou a constituição da Quinta República Francesa - a constituição francesa que é a mais inteligente, mais política, e a menos inspirada pelo idealismo do Iluminismo - nos dá essa mensagem: liberdade, humanidade, paz são somente quimeras que levam a opressões invisíveis. As únicas liberdades que contam - seja de nações ou indivíduos - são aquelas garantidas pela força legítima de uma autoridade política que cria lei e ordem.

Carl Schmitt não define os valores que mobilizam o político e legitimam a designação do inimigo. Esses valores não devem ser definidos por ideologias - sempre abstratas e portões para o totalitarismo - mas por mitologias. Nesse sentido, o funcionamento do governo, o puramente político, não é suficiente. É necessário acrescentar a dimensão "religiosa" da primeira função, como definida na tripartição indo-europeia. Nos parece que é assim que se deve completar a teoria política de Schmitt. Porque se Schmitt constrói uma ponte entre antropologia e política, ainda é necessário construir outra entre política e história.

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